Na semana passada, a TV Globo divulgou comunicado oficial informando o afastamento do ator Fábio Assunção, então protagonista da novela Negócio da China. Sempre que abordado sobre isso, Fábio prefere não falar, por se tratar de assunto pessoal. É um direito dele. Suas únicas palavras foram estas:
Em respeito ao enorme público que acompanha a minha trajetória profissional, aos colegas que tanto prezo e a imprensa, informo que, por motivo de saúde, deixo por prazo indeterminado a novela Negócio da China.
Meu carinho a todos e meu pedido que respeitem esse momento de luta, preservando minha família.
Que Deus ilumine meus passos na minha recuperação e com a confiança de que o mais breve possível estarei de volta para esse público que tanto amor me dá.
E eis que neste domingo chega às bancas a revista Veja com o ator na capa e a seguinte chamada: “A luta pela vida – O drama do ator Fábio Assunção para se livrar da cocaína é um alerta aos que minimizam o poder destruidor das drogas”. Na minha opinião, esta é uma das capas mais infelizes de uma revista que tem décadas de tradição em capas infelizes.
Se Fábio Assunção é mesmo viciado em cocaína - como tanto se especula - e está morrendo – como a chamada da capa sugere -, isso é um problema (gravíssimo) dele. E se ele não quer falar no assunto, ou não quer que sua família e seus amigos saibam, ou prefere esconder isso do público, ele tem esse direito. E merece ser respeitado, uma vez que Fábio nunca propagandeou o uso de drogas ou qualquer outro estilo de vida destrutivo, o que poderia influenciar negativamente uma quantidade imensa de pessoas.
A reportagem da Veja diz:
Fábio está longe de ser um encrenqueiro ou de fazer o marketing do vício, como a cantora inglesa Amy Winehouse. Não se pode dizer, no entanto, que não tenha responsabilidade sobre seus atos. Para o imenso público cuja admiração ele conquistou, sua recuperação pode ser um poderoso símbolo de vitória contra o vício.
Sim, a revista está certa, mas está errada em acreditar que tem o direito de chamar Fábio Assunção à responsabilidade e de expô-lo dessa forma. Cabe a ele decidir como lidar com seus problemas. A revista se mostra bem-intencionada, preocupada com suas dezenas de milhares de leitores, mas parece não ter se preocupado em dar um exemplo de ética, valor fundamental para uma publicação de tão grande alcance.
A matéria fala muito mais de Fábio Assunção do que do problema de saúde pública representado pelas drogas. Explorou-se mais o famoso do que o assunto. Não é à toa que não há uma única declaração do ator ou de seus familiares na matéria. Há, sim, uma declaração de Cláudia Abreu, ex-mulher de Fábio, mas, pelo que conheço dela e da revista, desconfio que a atriz não fazia idéia de que estava dando um depoimento para uma matéria de capa sobre a suposta luta de Fábio contra a cocaína.
Aproveito para relembrar algumas das piores capas da Veja:
29/05/1974: A fixação da revista por matérias sobre emagrecimento e boa forma é antiga. Esta, em seu aspecto gráfico, é de especial mau gosto. Não fosse pela chamada, “Tudo para emagrecer”, qualquer um pensaria se tratar de um crime horroroso.
27/01/1982: A morte precoce e inesperada de Elis Regina causou comoção na época, mas não motivou a revista a falar da perda da maior cantora do Brasil, e sim da “tragédia da cocaína”. A imensa perda cultural ficou em segundo plano, se tanto.
23/03/1988: A revista sempre apoiou a direita, mas caprichou nessa capa histórica que ajudou a construir a imagem de Fernando Collor de Mello como um mítico caçador de marajás, exemplo solitário e grandioso de político honesto. Deu no que deu. Mas, verdade seja dita: Veja não estava sozinha nessa – a grande imprensa apoiou Collor em peso.
26/04/1989: O cantor Cazuza ficou tão transtornado com esta capa da Veja, que chegou a ser hospitalizado. A entrevista que ele dera à revista foi usada de forma reprovável. Na capa, um Cazuza assustadoramente cadavérico ilustrava a sensacionalista chamada “Uma vítima da aids agoniza em praça pública”. A abertura da matéria decretava sua morte: “O mundo de Cazuza está se acabando com estrondo e sem lamúrias. Primeiro ídolo popular a admitir que está com Aids, a letal síndrome da imunodeficiência adquirida, o roqueiro carioca nascido há 31 anos com o nome de Agenor de Miranda Araújo Neto definha um pouco a cada dia rumo ao fim inexorável. Mas o cantor dos versos ‘Senhoras e senhores / Trago boas novas / Eu vi a cara da morte / E ela estava viva’ faz questão de morrer em público, sem esconder o que está se lhe passando.” A repórter Angela Abreu, uma das responsáveis pela entrevista, se demitiu ao ver o que fora feito de sua apuração (na Veja, as matérias não são escritas por quem as apura, mas por redatores que recebem a apuração já pronta).
15/09/1993: A revista gosta de brincar com obras de arte clássicas para ilustrar toda variedade de assuntos em suas capas. Geralmente, o resultado é sofrível. Este Pensador de terno e maleta é apenas um exemplo, de fazer Rodin revirar no túmulo.
17/08/1994: Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente do Brasil pela primeira vez em outubro de 1994. No entanto, dois meses antes, a revista já o elegera em matéria de capa um tanto antecipada: “A infância de um vencedor – Como viveu até a adolescência o próximo presidente do Brasil”. Coisa feia de se fazer.
13/03/1996: Quando os Mamonas Assassinas morreram todos juntos em um acidente de avião, a revista publicou esta capa: “A injustiça da morte no auge”. Se foi acidente, de que injustiça a Veja estava falando? Injustiça divina? Do destino? Quem teria sido injusto, afinal?
24/04/1996: Foi acertado falar do massacre de Eldorado dos Carajás, uma carnificina que jamais deveria se repetir. Mas foi um bocado desnecessário estampar a capa com a foto de um cadáver ensangüentado, tão de perto. Talvez a intenção fosse chamar atenção para um crime grave ou obrigar o povo a encarar a realidade. Mas há maneiras mais respeitosas e eficazes (e difíceis) de fazer isso.
17/09/1997: “Eu fiz aborto”. Para ilustrar essa chamada, não sei o que foi mais inadequado: se os rostos felizes e sorridentes de algumas famosas, ou se as feições culpadas de outras.
19/01/2002: Com a morte de Cássia Eller, o assunto é, mais uma vez, o terror das drogas, não a grande e precoce perda de um talento que faria muita falta.
06/04/2005: A morte de João Paulo II foi ilustrada com uma horrenda e desnecessária expressão de dor do papa. A grandeza ficou só no título.
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